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sexta-feira, fevereiro 22, 2008

Assuntos em agenda

1. Fotografia de meus pais, tirada por meu irmão António, no Natal, em Albufeira, em casa de nossa irmã Maria José. Tenho ido com mais frequência a Raiz do Monte onde meus pais residem. Vejo-os, ouço-os e sinto-lhes a respiração do mundo: é de preocupação, é de temor. E devia ser de esperança, de optimismo. Fecharam a urgência nocturna do centro de saúde de Vila Pouca de Aguiar. Aumentaram os preços. Meu pai gosta de discutir política, gosta de saber. Procura sinais de segurança e não os vê.

2. As questões da escola: a leitura de jornais e a leitura de blogues fazem a mistura: entre as agências e os indivíduos corre um cheiro de sangue, que aumenta nas conversas. Pode ser excesso, pode ser estupor, pode ser catarse. Mas é qualquer coisa de obsessivo e obcecado. Mergulho no mesmo: fúria e ataque, arrepêlo e contrariedade. Ainda não vomitei lume. Falta pouco.

3. A tristeza de não ter melhores notícias de quem cuido como meus.

4. A animação das histórias na biblioteca Lúcio Craveiro da Silva - um rasgo de sol, pela curiosidade dos miúdos.

5. Alguns trabalhos em preparação e outros pelo caminho: novas gravações do meu grupo «Os Sinos da Sé» sem data ainda marcada, uma missa «folclórica e popular», um livro com o Miguel Louro sobre o mar da Póvoa, um texto para umas fotografias sobre o Tearto Circo, uma colaboração num livro de Maria da Conceição Pacheco, uma pesquisa sobre outras músicas dentro do folclore habitual. Os dias enchem-se de palavras.

6. A última crónica para a rádio FS: Há dois estados emocionais que andam arredados da escola há um ror de tempo e com cuja existência já duvido que me volte a encontrar em igual ou parecido estado de satisfação: um é o riso, outro a ilusão. Na escola não se ri. Não há humor. Não há paródia. Não há uma exteriorização daqueles estados de gozo interior ou satisfação que provocam a hilariedade, que contagiam o riso ou que diluem o humor. O riso anda agora fedorento, é esquizóide em relação às suas fontes e aos seus propósitos, distorce e retorce, mas sem fazer um gargalhar de alma. É crítico por acinte e malvadez, é bizarro por método e objecto, é parvo e forçado por natureza. Perdeu em surpresa o que ganhou em previsibilidade, tempo certo e custo baixo. Já não me rio inspiradamente com os colegas nem com os alunos e uns e outros me fizeram muito rir e gostar de rir. Ou fui eu que fiquei gato fedorento a querer intelectualizar a piada e o motivo, ou foi o riso que me perdeu a vez. Ando longe dele e mais é dele que precisava agora para encher a alma. Não deveria eu rir-me com o que se passa e com quem passa? Oh, se devia, mas não vou lá. Sei lá eu porquê! Parece não haver nada a fazer-me cócegas em partes sensíveis, ou então já não andarei com sensibilidade em partes que a guardavam e que agora me terão traído. As minhas células estaminais do riso perderam a validade, foi isso. E perderam-na porque também se foi a ilusão que eu tinha. E não a vejo. Eu que me iludi tanto com a escola, que a cheguei a tomar por ilusão da própria vida, que a cheguei a pensar como utopia social, como aurora luminosa, como prenúncio de amanhãs canoros e destampatórios. Anda agora tudo com certezas e as dúvidas foram-se. Ganhou-se em previsão o que se perdeu em devaneio. Acabaram-se-me também as células estaminais da ilusão. Minha mãe não as guardou congeladas para agora me valerem e meus padrinhos na altura não viram no cordão umbilical a minha futurosa renovação. Quase me ia rindo agora com esta tirada, mas foi sol de pouca dura. Está este mundo escolar mais sisudo e trombudo, e todavia permanece anedótico em substância, terreno fértil para a charada e o gozo, propiciador de humores estrepitosos. Mas não vejo quem se alcandore a tanta fome de riso. Está este mundo escolar todo objectivado e perspectivado, e todavia permanece iludível na essência, campo propício à criatividade e ao engenho, sedutoramente desencaminhador e desviacionista. Mas tudo arremete contra o riso e contra a ilusão, como se estes dois sentimentos fizessem parte de um eixo de mal ou de uma cabala conspiratória contra os fundamentos do social. Já sei, o riso está do lado da dúvida e a ilusão está do lado da incerteza, duas dimensões do humano que agora não interessa mobilizar por ninguém: a ilusão agora é o euromilhões ou o escaparate televisivo, o riso agora é a estratégia da presença e da identidade, ambos são agora o ganha-pão de agências sofisticadas de comunicação. O riso espontâneo, libertador e catártico anda reprimido, não é inclusivo nem integrador; a ilusão infantil ou sonhadora anda reprimida, não é popular nem abrangente. Domesticaram-se, sim deixaram-se aprisionar pelo mercado e pelo estado: o riso e a ilusão pagam-se ao minuto e ao centímetro, ao litro e ao quilo. Na internete há uma sinalética do riso ao alcance do teclado. Pronto, é isto, o riso mudou, a ilusão ausentou-se e eu fiquei aqui, sem graça, sem evasão, sem jeito. O siso é sinal de velhice e a prevenção é o bálsamo das tempestades. Seja, já não há costumes para castigar, já nem há dúvidas para onde ir. Sendo assim, esperemos que a velha morra, que o padre chegue e que a herança se consuma.

7. Francisco Sanches, depois Descartes e depois todos os que refundaram perspectivas por terem duvidado das «evidências».

8. A gente diz homem
E pode ser mulher,
A gente diz mulher
E pode ser, também,
Dentro do género
Um traço efémero,
A gente diz justiça
E pode ser vingança,
A gente diz vingança
E pode ser, perícia,
Estilo de autor
Ou jeito de favor,
A gente diz salário
E pode ser batota,
A gente diz batota
E pode ser, calvário,
Espírito da grei
Ou hábito de lei.





segunda-feira, fevereiro 11, 2008

As visões messiânicas

Tirei esta fotografia no Lugar de A do Cavalo, concelho de Trancoso, numa manhã de nevoeiro, fria, calada e breve. Lembrei-me agora dela e trouxe-a para espelho do tempo, ou espelho de mim, quem sabe!

Dá para falar destes estados de enevoamento mental ou de perda de lucidez, por excessos de ansiedade reformista, em que me sinto mergulhado, na escola e nos seus arredores de espaço público. Dá para sentir um clima de mistério ou de assombramento de casa. Dá para exprimir esta lentidão de envolvimento nos avatares de futuro. Dá para este exercício de regresso aos sermões de Vieira e à poética de Pessoa e a outras investidas verbais de escritores e críticos. Dá para sentir um frio necessário, regenerador, um tempo de espera.

O nevoeiro faz parte das nossas figurações mentais, a uns serve de consolo, a outros de desespero, a alguns de tempo breve, a muitos de sonho.

Se fosse a subir de Vila Pouca para Jales o vale de Aguiar estaria coberto de nuvens, mar contínuo de espuma iluminada. Chegaria a casa e diria a meus pais que o apagamento das terras era um espectáculo. Meu pai logo me alertaria para a magreza do caldo com base nas pedras da montanha e minha mãe diria mesmo que o Sol nos empurra até ao chão.

Tirei a fotografia na companhia de três amigos, o Borralheiro e o Aurélio e o Filipe, naquele espaço de tempo em que as mulheres nos mandaram à rua para ver o sol.